segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Stella Teixeira de Barros/ Revista Galeria/ São Paulo 1992

EMMANUEL NASSAR
Stella Teixera de Barros

A economia de imagens na pintura de Emmanuel Nassar não pode ser traduzida por restrição de informações. O acabamento intencionalmente mal delineado nas figuras toscas sobre o fundo geometrizado sem precisão e, o mais das vezes, monocromático e chapado, traz à tona a singular sensibilidade do artista face ao universo popular brasileiro, um tanto debochado, irreverente e até simplório, similar, como bem lembrou Aracy Amaral, ao espelhado no filme “Bye bye Brasil”.

A geometria na obra de Nassar descarta, por sua inexatidão, qualquer herança das linguagens construtivas que permeou o nosso século desde Malevich, floresceu em abundância na década de ´50 sobretudo na América Latina, e encontra até hoje ressonâncias expressivas. Os contornos mal definidos do artista recusam o rigor inerente aos conceitos arquiteturais dos construtivismos e zombam de seus padrões geometrizantes. Propõe, isto sim, uma nova regra do jogo, que desconcerta pela ambigüidade o caráter de definição exata e severa dos contornos. Ao mesmo tempo induz a uma pseudogeometrização, pois satiriza enquanto mantém de modo precário as formas básicas da geometria. Recorre com infidelidade à simetria, às angularidades e circunferências. A cor intensa, vibrátil e sem gradações dessas “construções” emitem contrastes violentos de tonalidades que não desmentem o meio onde vive o artista: num ponto chave como Belém do Pará, à luminosidade equatoriana se contrapõe de um lado o gigantismo verde da floresta e, de outro, a desembocadura do Amazonas em seu ensurdecedor encontro com a vastidão oceânica.

Também a imagética popular é ponto de referência do artista que, com constância o arrecada do ambiente circundante. Como suporte, utiliza tanto a tela tradicional como chapas de metal e madeira. Numa das obras expostas agora, um círculo vermelho foi montado com tábuas de madeira para construção, sem qualquer preocupação com polimento, e, de seu eixo central pende um martelo. Como resultado sugere os círculos da sorte dos parques de diversão: para onde apontar o martelo, ali está o vencedor. Mas duas pedras presas por fios de arame, a cada lado do círculo, intervém no movimento e subtraem sua referência. Como girar então a roda da fortuna? Já não se trata mais de uma possibilidade mesmo virtual, mas de uma fantasia onírica e irreal do movimento.

De maneira análoga, numa pintura de fundo negro, a pequena porção de um disco de serra surge na base inferior da tela, tendo acima, à altura do horizonte central do retângulo, dois caibros cortados e presos um ao outro por um arame. A serra cortou algum caibro? Qual será o próximo movimento?

Por vezes o centro é apenas ponteado, como na pintura de fundo branco delimitada por uma borda azul. Aqui, o diminuto tronco humano parece referir-se ao Fantasma das HQ. De tão grosseiro, faz-se quase irreconhecível. Por isso mesmo recolhe na imagem uma dose de humor incomodatício. Desvendar a iconoclastia torna-se mais importante que codifica-la. Nesse sentido, a figuração veda qualquer aproximação com o neo-pop, ou no mínimo, o satiriza. Nesta pintura, como em diversas outras, as imagens congeladas desafiam qualquer proposta alusiva de movimento. Apenas as inicias do artista sugerem, com ironia e provocação, estilhaços da rosa dos ventos e suas projeções dimensionadas ad infinitum.




The economy of images in Emmanuel Nassar’s paintings cannot be translated as a withholding of information. The intentionally ill-defined finishing of the rough figures over a geometrically imprecise, often monochromatic and flat background, brings to light the artist’s unique sensitivity in face of the Brazilian popular universe – a bit debauched, irreverent and even simple.

The geometry of Nassar’s work discards, through its inexactness, any inheritance of the constructive languages which permeated our century since Malevich and bloomed with abundance in the fifties, especially in Latin America, and find expressive echoes even today. The artist’s ill-defined contours deny the rigor inherent in constructivism’s architectural concepts and jeer at its standards of geometrization. They propose, instead, a new rule to the game. One which, through ambiguity, disconcerts the exact, severe character of the contours’ definition. At the same time, a pseudo-geometry’s basic shapes. It resorts, with infidelity, to symmetry, angularity and circumference. The intense, vibratile and unshaded colors of these “constructions” emit violent contrasts of tonality which do not refute the milieu in which the artist lives: Belém do Pará, an important location where the equatorial brightness contraposes the overwhelming green of the forest on one side, and on the other, the mouth of the Amazon and its deafening juncture with the oceanic vastness.

The popular imagery is also a point of reference of the artist, who constantly gathers in from his surroundings. As a support, he uses a traditional canvas as well as sheets of metal or wood. The figuration in Nassar’s work impedes any approximation to neo-pop, or, at the minimum, satirizes it. Crude, it often makes itself almost unrecognizable. For this very reason the image harbors a dose of irksome humor. Unveiling the iconoclasty becomes more important than codifying it. In several paintings, the frozen images defy any allusive proposal of movement. Only the artist’s initials suggest, with irony and provocation, fragments of the compass card and its dimensioned projections and infinitum.